quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A salsicha do vizinho


Não, não vou fazer promoção ao novo álbum desse grande artista nacional, ainda que a imagem e o título do post assim o sugiram. Vou, porém, falar de peixe, salsichas e de vizinhos. E de mais uma daquelas situações do quotidiano que acontecem a todos. Uma das mais frustrantes, certamente.

Falo daqueles dias de calor, em que abrimos as janelas para arejar a casa e, naturalmente, os vizinhos fazem o mesmo. E em que é que isto resulta? Resulta em dias de sofrimento penetrante, de uma árdua jornada no deserto, de um carregar da cruz e nela ser cravado pela força acutilante de pregos martelados pelo olfacto. Dias em que, por força das preocupações com a saúde e com a linha (afinal de contas, está calor e queremos parecer bem nas piscinas e praias), decidimos cerrar os dentes e os punhos, cravar as unhas nas palmas das mãos, virar a cara à gula e fazer um peixinho cozido com batatas igualmente cozidas e mais uns vegetais para o almoço. Dias em que, enquanto nós cerramos os punhos, o vizinho decide que é "o dia do ano" em que vai esfregar as mãos. E não é que, pelas janelas que ficaram abertas, nos chega o cheiro mais delicioso que poderia invadir os nossos narizes naquele momento? Não é que, quando já nos mentalizámos para comer uma refeição tão saudável quanto sofrível ao paladar, o vizinho decide que é "o dia do ano" em que vai esquecer as ordens do médico e fazer um churrasco com uns frangos, uns bifões, salsichas, chouriças e sabe-se lá que mais para gozar com a cara de quem fez uma opção triste para o seu almoço? Um churrasco, meus amigos, um churrasco! Que o cheiro dos grelhados é mais intenso. Não podia ser um simples frango no forno. Nããão, nada disso. Tem logo de desenterrar o barbecue, só para provocar os vizinhos!

Nas vivendas com quintal ainda é o menos. Ao menos podemos ver a cara do vizinho para podermos odiá-lo como deve ser. E, se formos mesmo maquiavélicos, respondemos dizendo que, por "coincidência", aquele é o dia do ano em que decidimos tratar da relva do quintal e de polir os duendes de enfeite (não sei quanto a vocês, mas na minha vivenda de sonho há duendes a ornamentar o jardim). Tudo para sacar uma costeleta do barbecue do vizinho, que, complacente com o aborrecimento da nossa tarefa, e já que, acidentalmente, estamos ali mesmo ao lado, convida-nos para saborear um dos seus grelhados.

Já nos prédios é mais complicado. Não sabemos bem qual dos sacanas é que decidiu cometer aquela atrocidade e dificilmente conseguimos vislumbrá-lo para podermos praguejar maledicências. Tudo é frustração. O nosso almoço é pior e não podemos mirá-lo de forma autoritária, enquanto fazemos um exercício mental de criatividade para o insultar. Sim, que sabe bem mirar as pessoas dessa forma, mesmo que não seja para as confrontar. Os condutores bem o sabem. Quem é o anjinho que resiste a lançar esse olhar pela janela do passageiro para o palhaço que estamos finalmente a ultrapassar, depois de nos ter feito andar a 50 durante centenas de metros. Há poucas coisas mais libertadoras do que conhecer a cara de um imbecil e mirá-la com ar enfurecido. E é justamente o que não conseguimos fazer com o imbecil do prédio que decidiu fazer o churrasco no nosso dia de contenção alimentar. Depois admiram-se que haja tensão nas reuniões de condomínio. Que façam sujeira nas zonas comuns e que metam a publicidade na minha caixa de correio ainda posso aceitar, agora fazer churrascos nos dias de batata cozida... Isso é mais do que um só frágil humano pode suportar.

O que gente assim merecia era uma coisa que eu cá sei, e que envolve as fagulhas do barbecue.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

O país às cores - 2ª parte


Este post é a continuação do post de baixo, para quem não olhou para o título, ou para quem olhou mas pensou que haveria uma outra razão para a "2ª parte" que não envolvesse um post anterior. Falava dos peritos da Área 51 a trabalhar na Protecção Civil e do seu espírito artístico, que os leva a mostrar um Portugal colorido de amarelo, laranja e, ocasionalmente, verde. Já é uma contribuição para a confiança dos portugueses. Ao menos, não mostram o país cinzento ou negro. Ou castanho. Dizem estatísticas europeias que somos um dos povos com mais optimismo e alegria. Tal só pode ser explicado pela Protecção Civil e o seu Portugal colorido.

Mas o que está em causa é a emissão de "alertas". E, convenhamos, ainda bem que a nossa Protecção Civil se fica por cá. Não que seja propriamente muito benéfico para nós, simplesmente só posso imaginar os problemas que haveria se se desse como que uma diáspora da Protecção Civil portuguesa. Dou apenas dois exemplos.

Imaginem o perigo geopolítico que constituiria uma ida dos nossos técnicos dos alertas para a Rússia. Mal eles vissem as temperaturas de 30 graus negativos na Sibéria, até inventavam uma cor nova para o alerta que iriam lançar. Seria terrífico. Provavelmente colocavam até o país em estado de emergência, entre recomendações para os siberianos se deixarem deglutir por ursos polares... Mas com cuidado para não deixar o branquinho rasgar as várias camadas de roupa. O pêlo do urso já não é mau, mas para 30 graus negativos só indo para dentro dele com muita roupa. Nunca fiando.

Mas, pior que isso, seria o Kremlin a ouvir alguém nem que fosse sussurrar "estado de alerta". Se fosse "estado de emergência" então... Era uma vez o gás natural na Europa. Mas, como na Natureza nada se perde, tudo se transforma, desaparecia o gás natural, mas ressurgiriam uns milhares de Kalashnikov vindas das proveniências mais impensáveis. E não havia Obama que valesse à diplomacia. Se a Mother Russia está em alerta, o Kremlin está-se pouco lixando se o presidente do E.U.A. joga basquetebol ou golfe. E assim uma nova Guerra começava, graças aos portugueses. Aliás, graças a portugueses cuja única arma que sabem empunhar é aquele apontador (muito imponente, contudo - é quase um ceptro) com que pensam estar a indicar as massas frias e quentes e as ondulações. Que não interessam nem à tia-avó de Seia que faz camisolas de lã para a família. (repararam como eu me esquivei ao facto de desconhecer se o termo correcto era tricotar, bordar ou outro qualquer?)

E se os nossos amigos trabalhassem na Austrália? Bem, atendendo ao seu... zelo, suponho que lançassem alertas múltiplos à população por motivo de marsupiais na época do acasalamento. Sem esquecer os furões. Mas os marsupiais são particularmente preocupantes. Isto porque possuem um deveras misterioso pénis bifurcado (não, não me refiro a dois homens de barrete ou a um homem de barrete nada esquisito nas suas opções sexuais confrontando um bovino de largas proporções) que pode apanhar alguma população desprevenida. Claramente, um caso para recomendações para Protecção Civil. Nunca se sabe quando os bichos vão alargar os seus horizontes procriativos. Se já alojamos gripes aviárias e porcinas... O melhor é prevenir, não vá o diabo tecê-las. Ou o Belzebu, como prefiro chamá-lo. Não sei porquê, tem um impacto cómico superior a "diabo". Talvez tenha a ver com o facto do português ter em si a arte inata da rima.

É muito grande o apelo a citar aqui o primeiro parágrafo do capítulo sobre "Reprodução" da página da Wikipedia sobre os marsupiais, onde descobri esse extraordinário pormenor distintivo do marsupial face à que considero ser a larga maioria do Reino Animal, mas achei que seria melhor deixá-lo lá ficar sossegado. Considerei que era deleite a mais para o leitor juntar um tão magnificamente descrito momento National Geographic a este blogue. Mas, para os que julgam que usar as palavras "pseudovaginal" e "escroto" no mesmo parágrafo, e ainda acrescentar a informação da existência de um pénis bifurcado, é obra de um Camões da sexualidade animal, confiram na Wikipedia como Camões sabe usar um computador. E, para os que julgam que esses feitos estão reservados a quem espera fazer piadas fáceis usando vocabulário sexual hardcore e explorando compleições sexuais insólitas como a do marsupial, confiram como isto pode ser conseguido num contexto de seriedade e cientificidade. O mesmo não posso dizer de mim.

Mas pondo agora de lado a ideia da emigração da nossa Protecção Civil, para bem dos povos alheios: se um dia atravessarmos uma verdadeira situação de crise, meteorológica ou outra, que cor terá o alerta para que faça perceber os portugueses da seriedade da situação? Se aguaceiros motivam alertas amarelos e laranjas, suponho que os vermelhos estejam reservados para pequenas tempestades. E quando vier um furacão a sério, que alerta emitir? Ou, como já disse, mesmo que não seja por motivos meteorógicos, que alerta emitir para transmitir seriedade e, portanto, não se confundir com estes dos chuviscos? Alerta vermelho aos peixinhos amarelos? Não, faz lembrar os boxers da Throttleman. Alerta negro às listas diagonais bordeaux? Requintado demais. Alerta cor de burro quando foge? Parece-me a hipótese mais viável. Esperemos que chegue para que as pessoas enfrentem a crise com um pouco mais do que um protector solar e garrafas de água ou indo buscar ao armário quantos casacos lá existam e ainda a camisola de lã feita à mão pela tia-avó de Seia, guardada no sítio mais recôndito do armário mais recôndito da casa, devido ao seu valor sentimental. Apenas por isso é tão ocultamente guardada, e não por qualquer outro motivo, eventualmente algum relacionado com a estética do objecto.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O país às cores - 1ª Parte


"Estamos na altura deles!" - quem o diz é o Ti António, sobre os morangos na Primavera. Mas também sobre os alertas da Protecção Civil, mas estes agora no Verão. Esta estação do ano, o mês de Agosto em particular, é particularmente fértil nestes alertas. A Protecção Civil acha oportuno colocar distritos, por vezes o país inteiro, "em alerta". Isto devido a dias de calor um pouco mais intenso. A ideia é complementar os avisos e recomendações aos grupos mais susceptíveis, como os idosos. Pelo menos para os do sexo masculino pode ser que resulte. A palavra "estado de alerta" tem um significado muito veemente para eles, que, em larga percentagem, são ex-combatentes, dos tempos em que havia guerras, claro está. Nesse aspecto, talvez seja de facto um gesto de iluminação criar estes alertas, para levar os velhotes a usar bonés e aproveitar sombras. Soldado sem boné vai lavar latrinas.

Apesar de, como disse, os alertas florescerem no Verão como os morangos na Primavera, eles tendem a surgir ao longo de todo o ano. Se são geneticamente manipulados ou não, isso eu não sei. Mas, tal como as bruxas, que os há, há. E uma coisa que poderei contar aos meus netos é que assisti ao país em alerta amarelo por causa de um chuvisco. E, se o termómetro baixava muito, o alerta passava a laranja. E esse "muito" significa uma temperatura mínima de 5 graus, digo eu. Se não fossem mais.

Isto leva-me a questionar: teremos nós, que nos preparamos para acolher prisioneiros de Guantanamo, a trabalhar na Protecção Civil e no Instituto de Meteorologia alguns dos génios da Área 51? Terá chegado a nossa grande amizade com os E.U.A. (que começou porque o Salazar não era comunista, o que lhe bastou para ter os democráticos E.U.A. a beijar-lhe os pés nos tempos da Guerra Fria) a tal ponto de cooperação estratégica?

Passo a explicar: é que só assim se justificaria colocar o país em alerta. Só mesmo tendo esses profissionais da Área 51 a desconfiar de uma invasão alienígena, disfarçada nos aguaceiros ou nos raios UV mais fortes, quando está calor. É que já toda a gente sabe que quando faz frio é preciso usar casacos e que quando faz calor é bom ir para a sombra. E ainda há comunicação social (mais que nunca) para recordar os mais distraídos e sensibilizar os mais teimosos. Mas não, estes avisos tinham de ser em formato de "alerta". Vão por mim: não é o D. Sebastião que vai chegar num dia de nevoeiro. É o Zorg 5800 e a sua tripulação invasora. Se não for esse o caso... Alguém arranje um dicionário aos indivíduos da Protecção Civil, a ver se descobrem uma palavra mais adequada do que "alerta". E ponham o Marco Paulo a falar com os velhotes, em vez de confiarem nos telejornais. Perguntem à Danacol e aos dos aparelhos auditivos se não pega.

(continua...)

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Is the fly bugging you?


Já alguma vez vos aconteceu estar num perfeito estado de relaxamento, numa sala quieta, com a televisão baixinha ou música ambiente, teclando com os amigos no Messenger, escrevendo no blogue, lendo um livro ou fazendo uma outra actividade tranquila, ou quem sabe mesmo a tentar dormir no quarto, escuro e silencioso, no maior dos sossegos, quando, de repente, ouvem um zumbido?

E já vos aconteceu esse zumbido provir mesmo de um insecto, vivo e voador, mosca ou melga, e não apenas do relógio despertador mal programado cujo toque é o famoso "besouro"? Mais: já vos aconteceu esse insecto, além de vivo e voador, não ser uma melga nem uma simples mosca, mas sim a PORRA de uma amêndoa da Páscoa com asas?

Por último: já vos aconteceu tudo isso e não ter um mata-moscas nem um repelente, a ponto de ter de improvisar com os chinelos, os jornais, o gato ou qualquer coisa que esteja à mão (esta é a parte em que digo que não sou eu na imagem, mas sim um maduro qualquer que encontrei no Google) e sirva para exterminar o bicho sem sujar as mãos de quitina viscosa, e pôr fim ao maldito zumbido e aos voos rasantes que fazem impressão nos ouvidos? Sem esquecer que estes métodos improvisados são bem menos eficazes, o que obriga frequentemente a várias tentativas, ainda para mais quando a mosca, além de não ser uma mosca, mas sim a porra de uma amêndoa da Páscoa com asas, parece o sacana do Robocop! Ou, mais rijo ainda, o Chuck Norris.

Pois. Toca a todos, não é? Boas recordações guardamos das figuras feitas na noite alta de Verão, tão quente que nos obrigou a abrir as janelas, de chinelo na mão, provavelmente de pijama, empoleirados numa cadeira, com concentração e discrição dignas de uma emboscada militar, olhar fixo no inimigo, buscando surpreendê-lo com um ataque mortífero na hora certa. E ele a conseguir fugir até estar demasiado atordoado para resistir mais. Ou até encontrar o raio do caminho de volta para a janela. Entram sempre com aquela ligeireza toda e depois não saem nem por nada, raios as partam!

Ontem à noite foi a minha vez. E, especialmente para mim, não bastava enviar o moscardo Robocop. Tinham de enviar o protótipo 3.0, que inclui também a invisibilidade do "Hollow Man". "Hollow Fly", neste caso. É verdade. Não só este invasor da minha paz era grande, barulhento e resistente, como ainda tinha a capacidade extraordinária de desaparecer quando eu o abalroava. Ficava sem saber se tinha conseguido ou não. Deixava de o ouvir, não o via a voar, não o via estendido no chão... Desaparecia! Logo da primeira vez, acertei-lhe em cheio. Fiquei estupefacto por não encontrar a mosca diabólica em lado algum. Orgulhoso, julguei tê-la desfeito em pedaços tão pequenos que não se conseguiam discernir. Claro que não era bem assim. Estava ainda de peito feito quando voltei a ouvir aquele zumbido dos infernos. O tal espírito Chuck Norris da mosca veio ao de cima. Atacou-me sem pedir licença. Sobrevoou a minha cabeça, mas já estava atordoada e nem resistiu aos meus... gestos impetuosos. Por outras palavras, dancei para ali como se tivesse um macaco do circo (daqueles com chapéu) agarrado às minhas costas ou dentro das calças.

Em breve, depois de uma intensa luta aérea, o que teria não dentro das calças, mas sim em cima dos calções de andar por casa, era o atrevido insecto. Claramente, não estava sóbrio, tentei de novo afastá-lo sem obter reacção da parte dele. E eu... Bem, eu estava numa posição algo... desconfortável. O ilustre visitante achou por bem pousar em cima dos meus calções mesmo na zona onde não me convinha nada, para meu bem e da continuidade da minha árvore genealógica, dar-lhe uma valente marretada com a arma de que me muni para aquela ocasião. No caso, foi uma revista. Com muitas páginas, convém dizer. Não era lá muito leve. Além disso, eu estava sentado, tinha uma mesa e a respectiva toalha na minha frente, o que dificultava afugentar o bicho. Percebi que não podia atirar a matar. Mas tinha que ferir o inimigo um pouco mais, e deixá-lo em posição favorável para o abater. Resolvi, então, dar uma suave vassourada nos calções, com a revista. Fui capaz de a varrer para debaixo da mesa. Movi-me de modo a desferir o ataque final. E eis que constatei, embasbacado, que a mosca não estava debaixo da mesa. E, uma vez mais, não ouvi um som naqueles instantes, não sei como voou em fuga.

Disseram-me, em tom irónico, que as moscas eram como os gatos, que tinham sete vidas. A verdade é que tentei mais quatro vezes. Sempre a técnica da emboscada, que todos conhecemos tão bem. Aproximei-me sorrateiramente, até tentei uma abordagem pela retaguarda... Mas nada surtiu efeito. Era claro agora, estava perante um mutante, aperfeiçoado com genes do Chuck Norris e do Steven Seagal e ainda com porcas e parafusos do Robocop, mais a mistela do "Hollow Man" para desaparecer. E mesmo assim, ainda teve treino de um general durão dos Marines para a camuflagem. E mais, esse general durão dos Marines já foi o resultado de um cruzamento entre um paparazzo e um camaleão. Obviamente, herdou a masculinidade do camaleão.

Esperava ansiosamente pela sétima abordagem, que esperava ser a fatídica. Ouvia agora sons, mas não tinha contacto visual. Os sons sucediam-se... Sucediam-se... Até que o som se alterou. De um "zzzz" para um "ffzzzz" progressivamente menos audível. Faltava uma coisa à amêndoa de Páscoa com asas: ser torrada. Infelizmente, não arrecadei a glória da vitória perante este aguerrido oponente. Mas, quando tudo o resto falha... Confiamos na janela aberta ou nas lâmpadas a ferver.


P.S.: Perdoem-me, mas tenho de me vangloriar pelo trocadilho com a palavra "bug" no título. Honestamente, acho que me saí bem.

P.S. 2: A minha ambição é que, um dia, se faça circular um mail intitulado "A caça da mosca, belamente descrita no Autocarro Copa D". É um sonho que acalento desde que recebi "O amor, belamente descrito por Tom Jobim".

P.S. 3: O Autocarro, depois de uma fase mais crítica e satírica, voltou a uma história mais levezinha, de situações do dia-a-dia. Como, de resto, os motoristas preferem contar.

P.S. 4: Bom resto de férias aos leitores deste pequeno pergaminho digital.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Leis do mercado


"Quem não o conhecer, que o compre!" - curto e grosso, foi assim que Paulo Portas se pronunciou sobre o Primeiro-Ministro perante as interpelações dos jornalistas. Mal! Errado! Paulo Portas a pôr em causa o bem-estar dos portugueses, ao exclamar esta frase, comprometendo a sua popularidade, visando as eleições que aí vêm.

Vamos por partes: eu assumo que quem não conhece José Sócrates ou é estrangeiro ou é eremita. À partida, os portugueses que não vivem numa caverna tendo como única companhia besouros que se alojam na sua barba conhecem-no, o que, automaticamente, é sinónimo de não dar dinheiro nenhum por ele. Acontece que os eremitas também não têm poder de compra, por isso não podiam ser aldrabados ao ponto de comprar o Primeiro-Ministro. Ao escrever eremitas, ocorreu-me também incluir os trogloditas (até porque as palavras rimam, mas essencialmente porque é uma palavra infalivelmente cómica) no grupo de desconhecedores de Sócrates, mas seria um erro da minha parte fazê-lo. De facto, os trogloditas são hoje um grupo altamente organizado, em sindicatos e outras aglomerações, partilhando umas jantaradas algumas vezes ao ano. Pelo que se conhecem todos entre si.

Eliminados os trogloditas, ficamos mesmo só pelos eremitas e os estrangeiros. Já vimos que Paulo Portas, ao sugerir que compre o secretário-geral do PS quem não o conhecer, também não conta com os eremitas no lado da procura. E os estrangeiros... Bem, depois da história do tratado de Lisboa, já há meia dúzia deles que conhecem o nosso Primeiro, e a palavra vai passando. Há sempre alguém que cai no conto do vigário, mas dificilmente alguém vai comprar o PM. Um erro de avaliação de Paulo Portas. Analisando a mercadoria e a respectiva procura, claramente o preço de equilíbrio não pode ser positivo. Um indivíduo assim só oferecido, e até aceitamos pagar para o levarem. De facto, o que Paulo Portas deveria ter dito é: "quem não o conhecer, que o venha buscar que é de borla... E ainda pagamos a gasolina ou os custos com os transportes.". Claro que é uma frase bem menos incisiva do que "quem não o conhecer, que o compre!", mas seria certamente bem menos repulsiva para a procura.

Compreende-se, no entanto, este erro de avaliação de Paulo Portas. A sua experiência nas feiras e mercados leva-o a crer que tudo tem que ser pago porque o comerciante mantém o seu negócio no limiar de rentabilidade e tem-no para sustentar a sua família. Pode haver fiado, para os amigos, mas no fim é tudo para se pagar. Assim ditam as milenares leis do mercado (o da rua, não o conceito económico), eternizadas como "As Leis do Bolhão" ou mesmo "Constituição do Alho Francês". O freguês tem que pagar, nem que a fruta vá podre. Foi assim que Paulo Portas, levado pela sua vasta experiência, raciocinou. Os portugueses vêem-se à rasca para ganhar o seu, por isso há que levar o regateio ao impossível: tentar receber dinheiro, até para que alguém leve os políticos.

Esta é uma tarefa para a D. Alzira, que até consegue vender espantalhos a uma família de corvos. Ok, está se calhar não foi tão impressionante. Mas que tal esta? A D. Alzira até é capaz de vender brócolos! Convencidos, agora?

domingo, 9 de agosto de 2009

Autocarro fretado

Com muito gosto, o Autocarro Copa D foi ontem fretado pela companhia Posting4Fun. O serviço requisitado foi o "Psycho: Susto na banheira". À supracitada agradecemos a opção pelo nosso e vosso Autocarro e a confiança nos motoristas, retribuindo a consideração.

Ok, paremos com a linguagem cara. O Posting4Fun é o blog de um amigo, que apreciou um texto, em especial, e decidiu publicá-lo no seu espaço. Pela bondade e porque o blog dele também merece esta (mísera) projecção que podemos oferecer, aqui deixámos o link, lá em cima.

O tempo é de férias, mas as viagens prosseguem. Mesmo sem Raúl Solnado. É para breve, se o motor não falhar.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Como enriquecer o currículo numas férias no Brasil


Conforme descrito nesta ligação que bondosamente vos disponibilizo - ignorem a qualidade do jornal, estranhamente foi o único onde encontrei, em suporte digital transferível para este nosso espaço, esta notícia que ouvi originalmente na RTP, que, creio, já goza de credibilidade suficiente enquanto veiculadora de informação -, duas advogadas inglesas em início de carreira forjaram um assalto a elas próprias em território brasileiro, com o objectivo de receber o dinheiro de um seguro que haviam feito. Foram apanhadas, após o inspector da polícia do Rio de Janeiro ter desconfiado da história das duas. Sem querer pôr em causa a perspicácia do referido inspector, ocorre-me dizer que as duas não devem ter sido nada... talentosas ao contar-lhe a história da carochinha. Tentaram ser ardilosas e mentir - e fizeram-no mal feito. Quanto a isso, eu não sei como são as coisas lá em Inglaterra, mas se for como cá em Portugal, em que cada faculdade abre 500 vagas para o curso de Direito, creio que está tudo explicado.

Está explicado porque é que este genial e engenhoso plano foi por água abaixo na fase que exigia mais astúcia e está explicado também, desde logo, porque é que elas o decidiram fazer. De facto, se em Inglaterra abrem tantas vagas como em Portugal, com certeza que os jovens recém-licenciados fazem de tudo para fugir ao desemprego. Todo este estratagema não passou de uma tentativa de enriquecer o currículo, de forma a conseguir entrar para uma boa firma de advogados. Há que ter complacência para com as jovens, elas não tentaram fazer uma trafulhice, simplesmente queriam enriquecer o seu CV, para impressionar potenciais empregadores, firmas que têm 10 nomes próprios ou apelidos intercalados por vírgulas e "&"'s. Como a firma Gonçalves, Freitas, Marques, Paulo, Bemposto, Barbosa, Rafael, Gentil, Alvitez & Soares. Claro que as jovens inglesas não pensariam nesta firma, mas sim numa Wellesley, Troy, Tony, Robertson, Freedsman, Carlton, Querrey, Paul, Marks & Spencer. Por exemplo.

Ocasionalmente, para simplificar, as firmas de advogados usam as iniciais dos membros que lhes dão o nome. É o exemplo da António, Lourenço, Dâmaso, Rodrigues, Abílio, Barroso, Aparecido & Ramalde. A A.L.D.R.A.B.A.R..

Mas regressando às jovens inglesas, aldrabar é como que um estágio pós-licenciatura. Afinal de contas, as saídas profissionais mais populares do curso de Direito são a advocacia e a política.

E já que falamos em política, devo incentivar o Ministério do Ensino Superior (MCTES) a estar atento a estes casos. Acho que talentos como o destas duas inglesas são de aproveitar, no âmbito de dois programas emblemáticos do Governo. As Novas Oportunidades e o acolhimento de prisioneiros de outros países (para quem não leu a notícia, as ditas cujas foram detidas pela polícia). Claro que o Rio de Janeiro não é como Guantanamo. Regra geral, é bastante pior. Mas temos aqui dois talentos que encaixam nos perfis da sociedade inclusiva, nos moldes em que tem sido preconizada. Prisioneiros a frequentar estabelecimentos do Ensino Superior já existem, com a devida parafernália policial a acompanhá-los para as salas de aula. Se esses prisioneiros forem de outros países, melhor ainda! Uma oportunidade assim não é de desprezar, caro MCTES. Até porque estas duas, chegando a Inglaterra com este falhanço na bagagem, vão ter dificuldades. É certo que foi uma boa iniciativa, visando a aquisição de experiência importante para o futuro desempenho da profissão, mas infelizmente falharam e o que parecia ser uma grande ideia acabou por se tornar numa mancha no currículo. Os ingleses são uns indivíduos todos impecáveis, acho que não apreciam muito manchas e essas coisas... Mas acho que estas senhoras mostraram empreendedorismo e espírito de iniciativa. Mais um motivo para o MCTES gostar delas. E neste aspecto contam ainda com o apoio adicional do Ministério da Economia.

E não esqueçamos o profissionalismo levado ao extremo que toda esta atitude pode ter representado. Elas queriam ser presas para sentir o que sentem os arguidos detidos preventivamente e compreender melhor o que lá passam. Isso torná-las-á mais aguerridas na luta em tribunal pela liberdade dos arguidos que forem seus clientes. Realmente, bem vistas as coisas, só uma mente muito básica poderia ficar-se pela simplicidade de raciocínio que é gozar com a situação de advogadas passarem uns dias a ver o Sol aos quadradinhos. Achar isto um cómico de situação ironicamente paradoxal só pode ser obra de um QI ridículo. (esta frase ficou com um ar tão erudito que ninguém vai notar no gritante pleonasmo redundante que é dizer "um cómico de situação paradoxal"... E com o "pleonasmo redundante" já lá vão dois pleonasmos redundantes.)

Esperem por elas no julgamento do caso Maddie!... Quem quer que sejam acusador(es) e arguido(s)... Até porque, quando se der esse julgamento, estas pequenas raposas já terão 50 anos ou mais, tendo já por essa altura granjeado experiência e feitos suficientes para apagar este falhanço típico de um início de carreira. Só é pena já terem entrado na reforma quando se julgar o caso Casa Pia, também podiam dar jeito lá.