terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Apontamentos de dia 28 - #1

Apontamento #1



Fui à loja de roupa que dá pelo nome de Desigual. Já lá tinha ido uma vez, mas nessa altura fui "directo ao assunto", tinha umas prendas de Natal para trocar, fui à parte de homem e trouxe todas as peças que eu gostava, entre tudo o que havia. Era época de saldos e com o que tinha para trocar, tinha margem para uma pequenina loucura. Trouxe duas peças. Mas, lá está, olhei e, mal vi algo que até achasse engraçado, fui logo experimentar e quando atingi o valor do que me tinham oferecido fui-me logo embora. Não perdi muito tempo por lá.

Acontece que, ontem, voltei a lá entrar e, desta vez, com duas nuances fatídicas. A primeira: não ia lá comprar nada, entrei por entrar. A segunda: entrei com uma jovem rapariga e ela também não ia comprar nada, só ver como é que aquilo estava.

Ora, como é óbvio, ao entrar femininamente acompanhado, corri a loja toda - e vagarosamente, com tempo para olhar com alguma minúcia a maioria das peças expostas. Grave. Muito grave.

Eu compreendo a filosofia da loja e acho-a até deveras interessante. Mas, como tudo o que urge por ser diferente, a linha entre a genialidade e a foleirice é perigosamente ténue. Na Desigual, há a festiva parte feminina da loja, tudo muito bem. Ao fundo há a parte masculina e a zona infantil, também tudo bem. Mas há um problema: a parte do meio.

Numa loja como a Desigual, é preciso uma sensibilidade estética altamente invulgar para se conseguir andar na parte do meio. É neste meio que a tal linha ténue se faz sentir. Ela troveja sobre os nossos sentidos, para ser mais correcto. E o pior é que não é só uma linha entre o que é genial e criativo e o que é foleiro, mas também uma linha entre o que é para homem e o que é para mulher. É um verdadeiro desafio. Por estar no meio, não sabemos se ainda estamos na parte feminina ou se já entrámos na parte masculina e, sabendo disso, a Desigual goza com a nossa cara de leigos na estética e coloca lá camisas. Uma vestimenta relativamente universal, tanto homens como mulheres gostam de usar uma camisa informal, casual. Mas pior ainda é que a selecção das camisas é cuidadosamente feita para que nessa parte híbrida estejam as camisas menos masculinas que se possam imaginar, mas com um corte desenhado para um corpo de homem. Tornando a parte do meio ainda mais híbrida!

Eu confesso, nunca me senti tão confuso numa loja de roupa. Não sei se o facto de aquela zona estar entre a parte de mulher e a de homem significa alguma coisa relacionada com dúvidas existenciais sexuais, para quem não sabe bem para que lado se há-de virar ou para o Carlos que, duas noites por semana, veste a pele de Carmen num clube recatado... Mas que é um local intrigante, lá isso é. Falo da parte do meio da Desigual, não do clube recatado, bem entendido...

Eis que a minha amiga interveio, talvez apercebendo-se do meu olhar embasbacado, afirmando que aquelas camisas eram para homem. Eu comecei por rir-me, ainda mais convencido que era uma continuação da parte para mulher. Ela insistiu, com um ar mais sério, e eu comecei a ficar realmente confuso. Bem, mas não me considero um inculto. Ainda acho que não é muita gente que, na presença de uma camisa de cores berrantes às bolas vermelho-vivo, consegue perceber que é para homem... Mas quem é que acha que um padrão às bolas (em cores berrantes) entra na indumentária de sonho de um homem?? São estes os "experts" da Desigual? Epá, vão apanhar cavacas.

Mas, para não dizerem que sou muito duro ou que sou preconceituoso, devo ressalvar que é um tipo de camisa que um homem gostaria de usar numa praia do Hawai. Aliás, imaginamos o James Bond a usar algo do género numa praia paradisíaca, enquanto, bebendo uma Piña Colada, vê a sua Bond Girl regressar do banho de mar. No futuro, talvez isto venha a ser possível, mas hoje em dia, por causa desta mentalidade tão fechada que temos, creio que ainda são poucos os homens que se lembram da Desigual e dos seus preços quando pensam em comprar uma camisa para usar na praia. Não faz sentido, eu sei, mas é o país que temos, como se costuma dizer...

No dia em que o James Bond pedir um Martini seco batido, não mexido num casino (em vez da Piña Colada na praia do Hawai), e empunhar a sua lustrosa pistola envergando uma camisa daquelas, podem vir convencer-me que aquilo é para homem. Até lá, não gozem comigo e ouçam as duas dicas que tenho para vos dar. 1) Aquilo que está lá em cima é que é uma camisa Stars & Stripes à cowboy do countryside americano. Aquilo sim. Juntar uns remendos azuis, vermelhos e brancos tentando recriar vagamente tão histórica e clássica camisa... Isso não é nada. 2) Sou adepto da eficiência e acho muito bom que se aproveitem todos os restos de tecido para vender umas camisas e t-shirts que parecem as minhas calças de quando tinha 8 anos e gostava de jogar futebol no cimento e outros pisos mais consistentes do que as calças, fazendo dos remendos o destinatário de uma fatia considerável do orçamento familiar. Ok, vá, ironias à parte, acho, sinceramente, uma boa filosofia criar peças originais usando esse método. Podem, realmente, fazer-se coisas giras assim. Mas tenham dó, não se mete um resto de tecido amarelo com listas brancas na braguilha de umas calças de ganga... Para homem.

1 comentário:

  1. bom primeiro devo dizer que conheço muito intimamente essa tua «amiga» e muito obrigado por lhe fazeres referencia:P,segundo «Não sei se o facto de aquela zona estar entre a parte de mulher e a de homem significa alguma coisa relacionada com dúvidas existenciais sexuais, para quem não sabe bem para que lado se há-de virar» soa mesmo a preconceito...acho que no mercado há espaço para tudo e não são as escolhas pessoais que definem a sexualidade das pessoas...apesar de achar a roupa da desigual simplesmente aberrante..mas cada um tens os seus gostos;D

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