segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A carga pronta e metida nos contentores


Vem aí mais um ano escolar. E, claro, o Autocarro não podia ficar indiferente. Pelo menos até dia 27 de Setembro, felizmente temos uma ministra que faz da educação um tema apetecível para as conversas de autocarro. Uma ministra que, sempre revelando grandeza de espírito e a "delicadeza" preconizada por Sócrates, vem afagar as mágoas dos pais e professores que pensam que os seus filhos/alunos são uma carga de trabalhos... Eis que a ministra vem dizer que, para o Ministério, os jovens são mesmo uma carga. É verdade. Este ano, em parceria com Mário Lino, Milú presenteia-nos com escolas pré-fabricadas. Há escolas no percurso do Autocarro, por isso já todos devem ter reparado na invasão de contentores pré-fabricados que se multiplica por muitas das escolas do país. E não, não servem apenas para embelezar o recinto escolar. Eu sei, eu sei, são um ornamento de sonho. Mas, acreditem ou não, esse não é o propósito essencial deles. Na verdade, é ali que vão ser dadas as aulas.

A justificação mais recorrente para este choque tecnológico nas escolas prende-se com a falta de condições das mesmas. Sobrelotação e problemas na canalização são as falhas mais apontadas. Eu tenho cá para mim que tudo não passa de uma manobra de marketing. Metem-se os contentores à pazada para dentro das escolas, dão-se as aulas lá dentro... Tudo para atrair alunos para as Novas Oportunidades! É marketing no seu estado mais puro e genial. Mas alguém acha que a Milú é estúpida ou quê? Tudo está previamente pensado. Sabendo-se que uma boa parte do target das Novas Oportunidades se encontra no ramo da construção civil, toca a fazer as escolas mais acolhedoras e atractivas para esse mesmo target. E nada mais acolhedor do que um desses contentores habitualmente vistos nas obras. Os das escolas só pecam por estar (por enquanto) muito asseados. O Zé Ramos, que me costuma fazer umas reparações em casa, não gostava muito da escola, ficou-se pelo 9º ano e tem prazer em trabalhar na construção. Mas se agora a escola é fazer o 12º num punhado de meses com aulas num contentor pré-fabricado... Bem, isso muda tudo. Só falta o calendário da Pirelli numa das paredes do contentor para ser perfeito.

Por outro lado, gera-se uma concorrência atroz no que toca a quem trabalha num contentor pré-fabricado. O agente imobiliário pensava ter o monopólio da venda, num pré-fabricado desses, de coisas a preços mais altos do que as pessoas estão dispostas a pagar. Mas agora chegam os professores. Ambos tentam vender o seu peixe, com baixa probabilidade de sucesso.

Mas voltando ao tópico das más condições das escolas. Convenhamos que, com os contentores, há, sem dúvida, melhores condições. De facto, é um mimo ter aulas em contentores que anulam todo o espaço exterior que pudesse existir para recreio ou mesmo estacionamento. No entanto, há potenciais problemas de saúde que subsistem (não obstante as evidentes melhorias das canalizações que o uso dos contentores permite): por exemplo, os produtores e vendedores destes contentores terão o seu recto exposto a tintas potencialmente perigosas, ao limparem o mesmo a notas das mais diversas quantias de euros - coisa que certamente não perderão a oportunidade de fazer, afinal de contas nem tão cedo se volta a conseguir um negócio destes. Ainda por cima o dinheiro dos contribuintes tem algo particularmente especial e chamativo, que ninguém consegue explicar. Uma oportunidade a não perder, de facto.

Entretanto, as escolas, algumas com idade, traços arquitectónicos, locais interiores e exteriores dignos de património, que contam histórias sem fim, são fortemente remodeladas... por causa das canalizações, que só contam histórias de merda... literalmente. Não negando a importância da qualidade nas canalizações, convenhamos que não deixa de ser duvidoso se toda esta parafernália pré-fabricada se justificará mesmo...

Mas nem tudo é mau. Se já temos um "plano nacional para a matemática", os contentores são, por sua vez, uma grande oportunidade para os alunos de Artes (e não só...) expressarem essa força criativa que guardam dentro de si e que sempre anseiam por libertar. Aquelas paredes branquinhas, ainda por cima postas em escolas, estão mesmo a pedir uns graffiti. Mas alguém acha que a Milú é estúpida ou quê? Tudo está previamente pensado. Até os professores hão-de fazer uma perninha, transformando algumas dessas paredes em verdadeiros quadros transbordantes de admiração por personalidades como a sua própria patroa, a nunca raras vezes mencionada Milú. Será difícil conter tanto afecto.

Compreende-se porque é que não se optou por uma solução como fazer as obras em simultâneo com a actividade escolar, apesar de ser mais barato e ser provavelmente menos constrangedor para a comunidade escolar, apesar dos inconvenientes. Havia esse perigo horroroso de os alunos conviverem com profissões como trolha ou canalizador. Os alunos terem sequer o mínimo pensamento de seguir uma profissão dessas - das que toda a gente goza nas conversas com amigos, e que terminam sempre com o reconhecimento geral de que, sem esses profissionais, a sociedade não funcionava - é algo que entra nos sonhos mais atemorizantes dos nossos não menos atemorizantes governantes. Seria terrível se estes pequenos génios (que são todos génios, sem excepção) pensassem sequer em desperdiçar toda a sua capacidade intelectual (que todos têm elevadíssima, sem excepção) numa profissão daquelas. Os contentores vêm, portanto, matar dois coelhos de uma cajadada: 1) ao evitar-se a simultaneidade das obras e das aulas, não há misturas entre os "menos qualificados", esses seres viscosos e claramente inferiores, e os alunos de hoje, que têm de ser os doutores de amanhã (quando digo amanhã, praticamente é mesmo amanhã, pelo meio das Novas Oportunidades e essas coisas...); 2) os contentores impedem o crescimento de ervas, evitando o actualmente inevitável chamar de um outro tipo de ser viscoso, o "menos qualificado" jardineiro. Mais ainda, tudo isto é também uma maneira de atrair estes ainda "menos qualificados" para as escolas e as suas Novas Oportunidades, trazendo-os para essa sagrada luz das habilitações. Volto a dizer: uma brilhante manobra de marketing, de fazer inveja a qualquer Super Bock ou Coca Cola. Aposto que até vão fazer uma caça ao tesouro nas canalizações para os canalizadores, onde, por acidente, surgem vários panfletos reluzentes e fluorescentes das Novas Oportunidades. E tudo isto sem pôr em perigo as jovens cabeças dos alunos, postos em quarentena em pré-fabricados para evitar que se desviem do caminho divino.

Mais ainda: qualquer olhar perspicaz vê que isto se enquadra na perfeição no Choque Tecnológico. Vindo deste governo, só uma vista incauta pode esperar que estes contentores sejam uns barracões. Por dentro, certamente são pequenos centros de alta tecnologia: Magalhães para todos, quadros interactivos, uma Bimby a varrer as aparas dos lápis dos alunos mais famintos por sabedoria, a tal ponto que nem querem perder tempo a ir ao caixote do lixo e afiam os lápis mesmo na carteira, por muito que lhes doa na alma sujar o chão... Ah, e a varrer também os aviões de papel que vão sendo atirados... Esperem. Algo está mal... Aviões de papel? Que estupidez, já não há disso, agora joga-se Batalha Naval em rede pelos Magalhães. E os mais jovens jogam Counter Strike. Bem, seja como for, claramente que estes aparentemente miseráveis contentores escondem o Choque Tecnológico na sua génese mais pura. Mas alguém acha que a Milú é estúpida ou quê? Tudo está previamente pensado.

Aaah, Milú, Milú... Sempre a surpreender-nos com este humor de fino recorte. E tu também, Zé. Fazer o choque tecnológico num contentor pré-fabricado é algo que não lembraria nem aos Monty Python. Mas tem a sua lógica. Enquadra-se no sonho do Portugal futuro que alguns têm: incapacidade para raciocinar, criar e construir; obter tudo pré-fabricado. E são as gerações vindouras a carga destes contentores. Em Alcântara, já se quer triplicar a capacidade para os guardar...

2 comentários:

  1. senhor motorista, sou eu, a Carrie :)

    Tenho um blogue novo, eu disse que avisava quando tivesse =D Apesar de também não ser s+o meu, ja consigo extravasar a minha loucura criativa baseada em factos reais de uma forma mais livre, pelo que te espero como leitor e comentador ass+iduo =D

    Beijinhos

    Sofia (Carrie ;)

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  2. estrategia de marketing..novas oportunidades e contentores...a rima perfeita do governo...um país em ascensão

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