sexta-feira, 26 de junho de 2009

Já algum dia tinham pensado...? Eu sei que não.




Já algum dia, numa conversa com amigos, algum se lembrou de reflectir sobre a coisa mais inaudita, inóspita, inenarrável e inesperada sobre a qual alguém algum dia se lembraria de reflectir?... Sem dúvida. Todos temos esses momentos de irrepetível inspiração.

Foi neste contexto que um amigo meu começou a falar em fazer carreira no ramo dos apliques de casa-de-banho. Convém referir que prontamente o motivei, como bom amigo que sou. A delicadeza dos pormenores, as superfícies polidas até reluzir e o sonho da excentricidade das gravações a laser no suporte do porta-rolos de papel higiénico. Foi então que todos elegemos, por unanimidade e depois de breves reflexões individuais, o papel higiénico como a melhor invenção de todos os tempos. Só alguém com uma clarividência fora do comum se terá lembrado de algo assim. Não é uma descoberta como a do fogo, que podia descobrir-se por acaso, raspando duas pedras uma na outra por qualquer motivo inútil. É genialidade no seu estado mais puro.

Mas mais excepcional se torna quando analisamos a sua evolução ao longo dos tempos. Sim, é que de imediato se levantou a questão: "De quando datará a invenção do papel higiénico?". De imediato, fomos investigar e a sensacional Wikipedia deu-nos as respostas por que ansiávamos. Há relatos que dão o papel higiénico como existente na China no século VI d.C.. Passo a reproduzir a citação de Yan Zhitui, que suporta esta tese e que acho de uma sensibilidade com a qual todos devemos aprender:

"Papéis nos quais existem citações ou comentários dos Cinco Clássicos, ou que contenham nomes de sábios, não ouso utilizar no vaso sanitário."

De facto, os chineses já usavam o papel após as suas necessidades fisiológicas no tempo do senhor Yan Zhitui. E deduz-se que não eram esquisitos. Provavelmente usavam a composição que o filho tinha feito na escola ou o desenho do dia do Pai, se é que já era celebrado naqueles tempos. Eram tão pouco selectivos que Zhitui escreveu com a finalidade única de salvaguardar que não ousava utilizar papéis com nomes de sábios ou conteúdos dos Cinco Clássicos (os cinco livros essenciais da ideologia chinesa durante vários séculos, relacionados com o confucionismo). Os chineses podiam assear-se utilizando papéis do maior valor científico ou sentimental, mas este homem não ousaria dar tal fim a papéis com o dito conteúdo, demarcando-se dos demais com este grito de sensatez e lucidez.

Mas prossigamos com a história do papel higiénico. Isto passou-se na China, numa época em que não havia globalização como hoje. Pelo que, noutros sítios, outras alternativas eram encontradas, à falta de um génio criativo chinês. Longe da China, os mais afortunados usavam tecidos de lã, renda ou cânhamo (sim, cannabis). Os que não eram agraciados ao ponto de poder usar esses tecidos - ainda assim não muito confortáveis, aparentemente... -, recorriam a outros métodos igualmente engenhosos. A lista é infindável, variando o método consoante o "local, as condições climáticas ou os costumes sociais", de acordo com o artigo da Wikipedia. Antes de enumerar os mais importantes, peço que tomem especial atenção à última variável, os costumes sociais. Eu podia divagar e tentar associar cada método a um costume/ocasião social (e também perceber como é que os investigadores e historiadores sabem tudo isto), mas prefiro deixar-vos dar largas à imaginação. Resumindo, os métodos mais populares provinham das árvores: folhas e madeira. Os japoneses gostavam particularmente da madeira. Também se usavam pedras, feno e espigas de milho, escolhendo apenas alguns outros métodos. A gama comfort via-se nos castelos, onde se usavam esponjas comunitárias. Uma perspicaz visão periférica era necessária, na medida em que, para evitar caminhar do vaso até ao balde de água salgada com a esponja (que, por serem comunitários, se colocavam num local central da zona sanitária), era necessário constatar quando o colega do vaso ao lado terminava, e pedir-lhe encarecidamente que transmitisse o balde e a esponja. E, por fim, o método mais engenhoso: consistia em usar as mãos.

Temos, portanto, uma evolução apenas comparável (e vagamente) à dos métodos contraceptivos, em que temos o sumo de limão e a tripa de porco como os precursores dos métodos actuais. Convém referir que todas aquelas soluções do parágrafo anterior datam de épocas como o fim do século XIV. Escolho esta localização temporal em específico porque é nela que se situa um registo muito interessante. É que, enquanto uns usavam madeira, pedras e espigas de milho, outros já dispunham de 15 mil folhas de um papel higiénico especial, mais suave e tendo cada folha sido individualmente perfumada. Onde? Na China, pois claro! Trata-se do Imperador Hongwu e da sua família.

Mas se sentirmos a necessidade de dar um nome ao génio que idealizou o papel higiénico, esse nome será Seth Wheeler. Foi Wheeler o primeiro a patentear o papel higiénico - e já perfurado entre as folhas e com um tubo de cartão no centro, tal como o conhecemos hoje. Da mesma maneira que idealizou o tubo, Wheeler idealizou e patenteou o porta-rolos e o seu suporte. Onde hoje se sonha fazer gravações a laser.

Qual é o ponto de tudo isto? O ponto de tudo isto é um ponto de exclamação, a seguir ao progresso. E o mote a que cuidemos dele, para que ele não nos destrua a possibilidade de assistir até onde ele próprio nos vai levar. Tal como nós a falar das espigas de milho, gerações vindouras rir-se-ão de Seth Wheeler e do seu papel higiénico. Para que tal aconteça, o progresso não pode entrar em processo de autodestruição. E que um dia este autocarro seja maglev, para o conforto dos imprescindíveis passageiros.

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